"Uma vida não é nada. Com coragem pode ser muito" Charles Chaplin

22 agosto, 2005

A Educação e o ECA

Por Denise Carreira(*)

Apesar das conquistas legais obtidas a partir da Constituição de 1988 e ao longo dos anos de 1990, na qual o ECA representa um marco fundamental, o direito à educação pública de qualidade segue sendo algo muito distante para a gigantesca maioria da população brasileira. Como em outras áreas sociais, a avaliação de movimentos, organizações e redes de educação, como a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, é a de que os avanços conquistados na legislação, nas últimas décadas, não se traduziram em políticas públicas consistentes e com condições de financiamento para a universalização da educação como direito humano fundamental de todos e todas. Na última década, o país ampliou o acesso ao ensino fundamental, chegando a matricular 97% das crianças de 7 a 14 anos, avanço obtido graças a uma política pública que garantiu a expansão baseada em um limitado investimento por aluno (comparado a outros países no mesmo patamar de desenvolvimento) e na oferta de uma escola de baixa qualidade para a maioria. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (INEP/MEC), somente 2,79% e 10,29% daqueles que conseguem chegar ao final do ensino fundamental atingem patamares adequados em matemática e língua portuguesa, respectivamente. Dados como esse também aparecem em muitas outras pesquisas nacionais e internacionais, nas quais a posição do Brasil com relação à aprendizagem ocupa sempre um lugar crítico. Além dos problemas de qualidade, o país tem gigantescos desafios de acesso e permanência, sobretudo com relação à educação infantil, ao ensino médio, à educação de jovens e adultos, à educação especial, à educação do campo, sem falar, do ensino superior. Mesmo no ensino fundamental, na faixa etária de 7 a 14 anos, foco de políticas nos anos 90, ainda permanecem mais de 1 milhão e meio de crianças e adolescentes fora da escola. A educação de crianças de 0 a 3 anos constitui uma das situações mais vulneráveis da educação pública. Segundo IBGE, somente 11,7% da população de 0 a 3 anos têm acesso às creches. Avaliação técnica realizada pela Câmara dos Deputados no início de 2005 apontou que a meta do Plano Nacional de Educação (lei aprovada em 2001) de chegar a 50% de cobertura na educação infantil de 0 a 3 em 2011 não será alcançada caso não ocorra uma mudança significativa das condições de financiamento da área, sob responsabilidade constitucional dos municípios. A decisão do governo federal de excluir as creches da proposta do novo fundo para toda a educação básica (FUNDEB), atualmente em tramitação no Congresso, inviabiliza a possibilidade da meta das creches ser alcançada e fere o conceito de educação básica, excluindo aquela que seria parte de sua primeira etapa. Tal decisão tem impacto negativo na vida de milhões de crianças e de mulheres trabalhadoras, sobretudo, as de baixa renda. Desigualdades sociais As desigualdades sociais de renda, raça/etnia, gênero, regional, entre outras presentes na sociedade brasileira estão refletidas na educação pública. De acordo com os estudos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD/2002), apenas 7,3% das crianças de baixa renda, na faixa etária de 0 a 3 anos de idade, freqüentavam um estabelecimento de educação (a média nacional é de 11,7%). As pessoas afrodescendentes constituem a maior parte dos analfabetos no Brasil e das crianças e adolescentes que enfrentam problemas para a permanência e aprendizagem na escola. Enquanto 44% das crianças brancas e pobres entre 10 e 14 anos estão matriculadas entre a 5ª a 8ª série, apenas 27% das crianças negras e pobres dessa idade frequentam a escola. Os negros têm em média 1,6 ano a menos de estudo que os brancos (4,3 e 5,9 respectivamente). A diferença é maior ainda entre mulheres brancas e negras: 1,8. Enquanto os brancos formam 7,5% dos analfabetos com mais de 15 anos, os negros somam 17,2%. A discriminação racial está presente em grande parte das instituições de educação do país, mantida sob um manto de invisibilidade em que ninguém admite discriminar. Embalado pelo “mito” de que no Brasil não há racismo, o silêncio sobre o preconceito e a discriminação alimenta situações absurdas e produz efeitos terríveis na auto-estima de crianças, jovens e adultos negros e não contribue para o desenvolvimento de uma sociedade inclusiva que respeite e valorize as diferenças. Quebrar o silêncio e assumir o problema da discriminação constitui o primeiro passo para superá-la. A lei 10.639, de 2003, representa uma conquista do movimento negro ao estabelecer o ensino e valorização da cultura e da história afro-brasileira na educação de todo o país. Na última década, os indicadores educacionais tiveram melhoria em todas as regiões do país. Porém, os indicadores educacionais dividem o Brasil em dois grandes blocos. Um deles é formado pelas regiões mais desenvolvidas: Sudeste e Sul. O outro, pelas regiões Norte e Nordeste. O descompasso entre os dois blocos é de cerca de uma década. Subordinada à lógica do ajuste fiscal, que impõe a limitação de recursos às políticas sociais, a educação pública segue sendo tratada como uma política destinada a “aliviar a pobreza” e não a garantir o direito à educação para todos como base de projeto de desenvolvimento que enfrente as profundas desigualdades no pais. A mudança dessa realidade é o desafio assumido por diversos movimentos, organizações e redes da sociedade brasileira que desenvolvem experiências inovadoras e ações políticas locais, regionais, nacionais e internacional. A Campanha Nacional pelo Direito à Educação representa um desses esforços de articulação de diferentes atores destinada a aumentar a força política daqueles e daquelas que atuam por uma educação pública de qualidade para todas as pessoas.

(*) Coordenadora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação Articulação que reúne 200 organizações, redes e movimentos do país www.campanhaeducacao.org.br

fonte: http://www.ilanud.org.br/index.php?cat_id=92&pag_id=707