"Uma vida não é nada. Com coragem pode ser muito" Charles Chaplin

19 agosto, 2005

César Benjamin

Ex-petista acusa Delúbio de usar FAT para financiar PT nos anos 90

César Benjamin diz que ex-tesoureiro usou dinheiro oficial para ajudar corrente de Lula e Dirceu a dominar máquina partidária

RIO - Militante do PT de 1980 a 1995, o editor César Queiroz Benjamin, de 51 anos, situa no início dos anos 90, com a atuação do então representante da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Delúbio Soares, no Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), o início da mudança que levou o partido à atual crise. De acordo com Benjamin, com repasses do FAT para sindicatos Delúbio Soares fortaleceu a tendência Articulação, da qual fazem parte o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o deputado José Dirceu (SP), que assim dominou a máquina partidária.
Na direção do PT, conta ele, Delúbio, com aval do hoje presidente e do ex-ministro da Casa Civil, formou com outros petistas o grupo conhecido como "os operadores", cujo objetivo prioritário era dinheiro.
"Então esse grupo consolida a sua hegemonia", diz Benjamin, que não apresenta provas, mas alega que no PT "todos sabiam" do que ocorria. Ele deixou o partido há uma década, denunciando o que chamou de "ovo da serpente", a entrada maciça na legenda de dinheiro de bancos e empreiteiras. Hoje, acha que suas previsões se confirmaram e avalia que Lula sabia das irregularidades. "Eu, que já estava fora do PT, sabia. Como o Lula poderia não saber?"
O senhor acha que as previsões que fez ao sair do o PT se cumpriram?
Vamos situar a saída. Na campanha de 1994, eu era da direção e da coordenação da campanha. E depois ficou claro que tinha havido uma série de financiamentos que desconhecíamos. De bancos e empreiteiras, para a campanha do Lula.
Eram financiamentos ilegais?
Do ponto de vista partidário não eram legais. Porque tanto a direção quanto a militância nunca souberam disso. Tentei discutir na direção nacional, não houve possibilidade, e resolvi levar ao Encontro Nacional do PT de 1995, que era o primeiro na seqüência da eleição. E aí ficou claro para mim que já estava havendo no PT o início do esquema que agora vem à luz, inclusive com os mesmos personagens. Eu tive a percepção de que isso continha um perigo extraordinário, que era a entrada no PT, pesadamente, de esquemas de financiamento que teriam um impacto grande na vida interna do partido. O Dirceu foi eleito para a presidência, esse grupo que agora está nas manchetes assume cargos-chave, e fica claro que o partido tinha tido uma inflexão para pior. Ser direção passava a ser gerenciar interesses. E saí, eu me lembro que no meu pronunciamento no Encontro Nacional disse que estávamos diante do ovo da serpente que ia nos devorar. Então, quando vejo essa situação atual, tenho consciência de que não começou agora e é a expressão de uma prática continuada e sistêmica, que foi introduzida através do Lula e do Zé Dirceu.
Pode-se dizer que o processo de corrupção começou em 1994?
Talvez tenha começado antes.
Quando?
Há notícias de processos semelhantes no Fundo de Amparo ao Trabalhador. Não por coincidência o representante da CUT no FAT chamava-se Delúbio Soares e se multiplicaram notícias de esquemas de financiamento heterodoxos.
O que houve?
Até essa época, a Articulação, que é o grupo do Lula e do Dirceu, ainda disputava a hegemonia no PT cabeça com cabeça. A minha interpretação é a de que esse grupo usou esquemas de financiamento heterodoxos para fortalecer a Articulação. Porque o FAT faz convênios com sindicatos. E assim fortaleceu as finanças da Articulação, que passa a manejar poder financeiro que é uma arma nova na luta. Passa a ter capacidade de financiar candidaturas, trazer pessoas, estabelecer pontes. Delúbio se tornou figura paradigmática. Foi tesoureiro da CUT, foi para o PT como tesoureiro. E esse grupo começa a ser conhecido como "os operadores".
Quem eram Delúbio, Sílvio?
Silvio Pereira, depois Marcelo Sereno... Esse grupo estabelece influência crescente no PT e na CUT. Ser da Articulação significava fazer campanhas muito caras. E se combina com o esvaziamento da militância. Então esse grupo consolida a hegemonia. Passa a operar em vários esquemas. Santo André é um deles. Passa a procurar maneiras de levantar dinheiro. E com a chegada ao governo federal as práticas ganham escala e um potencial de crescimento e visibilidade muito maior.
E o presidente Lula nisso tudo?
O Lula garante que foi traído, que não sabia. Mas eu não acredito nisso. Foram práticas sistemáticas durante mais de dez anos, do grupo que era mais próximo do próprio Lula. Me parece completamente inverossímil que ele fosse o único a não saber. Todos sabíamos. Eu, que já estava fora do PT, sabia. Como o Lula poderia não saber?
Qual é o efeito disso?
O principal legado é que a liderança do Lula dissolveu por dentro os valores da esquerda. Se você pegar para trás, Luiz Carlos Prestes morre pobre. Nunca tínhamos tido uma liderança que disseminasse o antivalor.
O que é isso?
O grande legado do Lula é essa disseminação do antivalor. O valor da esperteza, o valor de se dar bem, de não estudar, ter orgulho de não estudar... Eu diria que o Lula sempre foi um grande guarda-chuva para os oportunistas no PT. Uma coisa é o partido ter um líder que é honesto, honrado. Então, quem quer ser picareta fica meio acuado. Pode até querer ser picareta, mas não é a regra. Outra coisa é você estar num ambiente em que veio de cima o exemplo. Então, sob a liderança do Lula, eu diria que se formou a pior geração de militantes da esquerda brasileira de toda a sua história: pragmática, oportunista, individualista, carreirista.
Foram matando a militância?
Foram matando a militância e fazendo a ascensão dos carreiristas, dos oportunistas. Se você não tem militância e quer fazer campanhas competitivas, tem de ter dinheiro. No momento em que o PT optou por ser partido da ordem, teve de ir beber nas fontes da ordem.
O PT morreu?
Nem um roteirista de terceira categoria imaginaria esse fim para o PT. Nos últimos dias teve dólar na cueca, teve conta nas Bahamas, festa com cafetina, carro importado... Quer dizer, isso é roteiro de chanchada. Eu mesmo não imaginaria que esse fosse o fim do PT.

Benjamin foi preso político nos anos 70

HISTÓRIA: Formado em Economia pela Universidade Federal do Rio, César Queiroz Benjamin foi um dos fundadores do PT, em 1980, mas começou a militar na esquerda muito antes da criação do partido, ainda na adolescência, no fim dos anos 60. Aos 14 anos, participava das passeatas do movimento estudantil de resistência à ditadura. Sua trajetória e o crescente fechamento da política o levaram à clandestinidade e à luta armada, integrando o Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR8), de guerrilha urbana, que protagonizou ações armadas na tentativa de derrubar o regime militar. Escapou várias vezes de ser preso e morto, mas acabou "caindo" em 1971, aos 17 anos, tendo sido provavelmente um dos mais jovens presos políticos brasileiros. No meio da década de 70 foi libertado e exilou-se. Voltou com a anistia e ajudou a criar o PT - foi da direção fluminense e da nacional várias vezes. Em 1995, criticou fontes de financiamento do partido em discurso no encontro nacional e deixou o PT, num episódio que causou comoção. José Dirceu, por exemplo, chorou. Atualmente, Benjamin é um dos editores da Editora Contraponto, e autor de E o Sertão, de Todo, se Impropriou à Vida: um Estudo sobre a Seca no Nordeste (Petrópolis, Vozes, 1985, com Sérgio Goes de Paula), Diálogo sobre Ecologia, Ciência e Política (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1992), A Opção Brasileira (Rio de Janeiro, Contraponto, 1998) e Bom Combate (Rio, Contraponto, 2004).

Fonte: Jornal Estado de S.Paulo, 19/08/2005