"Uma vida não é nada. Com coragem pode ser muito" Charles Chaplin

25 julho, 2005

Um trem em chamas

CADERNO 2 / O ESTADO DE S.PAULO

Quinta-feira, 21 de Julho de 2005

Verissímo

Neoconservadores de outro planeta decidem invadir a Terra atrás dos seus recursos naturais, só por maldade ou para livrar o mundo do Tom Cruise. Qualquer uma destas hipóteses serve para explicar o ataque dos extraterrestres no extraordinário novo filme do Spielberg. Nunca ficamos sabendo de onde eles vêm e o que eles querem, além de nos pulverizar. Não há ultimatos, eles já chegam atirando. Não há cenas do ataque no restante do mundo ou de autoridades internacionais reunidas para planejar a resistência. O filme concentra-se nos Estados Unidos, ou na pequena parte do país representada por Cruise, sua família e sua circunstância. Spielberg sempre faz isso. Nos seus filmes, coisas fantásticas ou aterradoras acontecem ao redor de uma situação doméstica que nunca deixa de ser o centro da narrativa, e que no fim sempre se impõe ao resto. Em A Guerra dos Mundos ele consegue, ao mesmo tempo, destruir a Terra na nossa cara com o melhor uso de efeitos especiais digitalizados já feitos no cinema, e nos dar a impressão de que o caos está acontecendo nas margens da experiência familiar, mais entrevisto do que visto. Clarões atrás de um morro são os únicos sinais de uma batalha terrível com as máquinas invasoras da qual carros de combate emergem semidespedaçados, em fuga. A própria movimentação do Exército americano enfrentando os extraterrenos não merece muita atenção da câmera. É apenas mais um detalhe de fundo, e da impotência generalizada. Quase sempre vê-se mais a conseqüência da ação do que a ação. De repente, um trem em alta velocidade e totalmente em chamas atravessa a tela durante uma cena de horror, dando-nos uma visão impressionante de um horror ainda maior em outro lugar.
O filme testa nossa capacidade de agüentar o Tom Cruise permanentemente em cena - a câmera não o abandona por um segundo - e tem seus aborrecimentos, como uma longa seqüência num porão que poderia ter sido podada. Mas é um ótimo Spielberg, o que significa cinema no mais alto grau de invenção visual e emoção. Até sua ausência de sentido, a não ser para os mais diligentes caçadores de mensagens, funciona a favor do filme e do nosso prazer juvenil em vê-lo. Os extraterrestres não nos trazem nenhuma lição: nos liquidam, aparentemente, de nojo gratuito. Não provocam nenhuma resistência inspiradora num mundo unido contra um inimigo comum: nos comportamos abjetamente sob ataque. Estamos de volta aos bons tempos em que os raios da morte eram raios da morte, não metáforas, e o terror acabava na saída do cinema.